Naiara Czarnobai
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Inovação no Poder Judiciário | Parte 2

Começamos a abordagem do tema “Inovação no Poder Judiciário” questionando o que esperar de uma justiça inovadora. Embora a ideia de viver algo novo nesse setor público esteja relacionada com o avanço tecnológico, especialmente para reduzir o tempo de exame de cada demanda, ainda é distante da nossa realidade que os processos judiciais sejam analisados por mecanismos robotizados, com questionamentos e soluções práticas e selecionáveis por mero jogo de palavras.
Tampouco a criação de leis mais precisas e específicas vai cumprir a finalidade de reduzir os números dos processômetros e garantir a entrega da prestação jurisdicional de modo célere e eficaz.
Isso porque, já contamos no Brasil com um dos maiores e mais complexos sistemas de leis, que ainda se revela insuficiente para garantir resposta à maior parte das demandas sujeitas a julgamento. Mesmo atualmente, em alguns casos, o juiz ainda precisa decidir com base na analogia e nos costumes.
Assim, colocar a culpa no histórico legislativo ou na demora de novos projetos de lei chegarem à sanção presidencial para suprirem essas lacunas legais simplesmente não vai garantir que a justiça caminhe a passos largos ou de modo inovador.

É preciso haver mudança no paradigma de que os problemas somente podem ser resolvidos por meio de ações judiciais, inclusive ao se ter em vista que o próprio legislador já tem trabalhado para reverter esse pensamento social.

Como exemplo, o novo Código de Processo Civil vem ao encontro dessa expectativa, no sentido de conceder soluções alternativas de conflitos, ainda vistas com tanta resistência por parte de juristas mais tradicionais, que acreditam que somente o juiz poder determinar o que e a quem de Direito.

Lei nº 13.140/2015

A própria Lei n. 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a auto composição de conflitos no âmbito da administração pública, é um grande avanço para que consigamos resolver nossos problemas sem a instauração de um processo judicial.
E se a própria administração pública – parte com maior número de processos judiciais em andamento, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça – pode adotar essas medidas alternativas para solucionar suas controvérsias, quem dirá os cidadãos que podem decidir livremente que direito lhe convém, ou não, abrir mão.
Porém, a realidade demonstra que o jurisdicionado ainda é o sujeito mais resistente na redução de demandas judiciais, pois é ele mesmo quem, diante de qualquer hipótese de descontentamento, grita aos quatro ventos a ameaça de instaurar um processo, como se fosse um comando mágico para convencer qualquer pessoa, física ou jurídica, a se curvar e declinar da vitória, mesmo que meramente argumentativa.
De briga de vizinho a um desacerto trabalhista, tudo é submetido à um terceiro, investido pelo Estado, para declarar o Direito a ser reconhecido diante dos fatos expostos. E assim, somamos milhares de processos engavetados, esperando até décadas para se ter a resposta definitiva do Poder Judiciário, após tantos recursos e investidas capazes de prorrogar a tão almejada solução.
Com essa situação, não é difícil concluir que para esperar uma justiça inovadora, precisamos de cidadãos conscientes da necessidade de contar com a intervenção estatal apenas em hipóteses que não possam ser resolvidas de outro modo, especialmente num tempo em que contamos com todo apoio (e tecnologia) para soluções alternativas de conflitos.
Inovar o judiciário também depende da inovação da mentalidade do cidadão, mais aberto à conciliação do que ao contencioso!

Naiara Czarnobai
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Inovação no Poder Judiciário | Parte 1

A obra de Montesquieu, famoso pela teoria dos poderes, é fonte de inspiração para o Brasil. Temos bem definidas em nossa Constituição Federal a natureza e as funções de cada um dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
Embora a atuação desses três entes seja articulada e interrelacionada, ainda precisamos ter em mente que cada um cumpre um papel essencial para a consolidação do Estado Democrático de Direito.
Como operadora jurídica acredito que o Poder Judiciário possui ferramentas singulares para a aplicação das normas de maneira equânime e justa. No entanto, ainda percebemos julgadores descrentes de seu papel social, acomodados no Ctrl+C e Ctrl+V jurisprudencial.
O instituto criado para elencar posicionamentos dominantes têm se tornado um meio de poupar a atuação jurisdicional e auxiliar no cumprimento das metas de produção quase sempre avassaladoras.

A referência virou um objeto de pesquisa para facilitar o esvaziamento dos escaninhos, e por conta disso temos decisões cada vez mais vazias de conteúdo jurídico, e de escassa discussão das temáticas postas sob julgamento, com pouco ou inexistente senso crítico na análise dos pleitos.

Linha de produção jurídica

Assim, com a criação da jurisprudência temos resultados um pouco mais efetivos em termos de números, e isto apesar do acúmulo de milhões de processos no país aguardando decisão judicial, mas esta circunstância não se revela como verdadeira solução para evitar a reiteração da contenta, ou tampouco para satisfazer suficientemente os interesses em jogo.
A qualidade deu lugar à quantidade e perdemos em profundidade de raciocínio. Mesmo com a sistematização dos controles e fluxos de trabalhos, percebemos que a tecnologia tem se revelado pouco auxiliadora dos juízes. A retenção de despesas públicas também tem inviabilizado a ampliação do quadro de servidores que poderiam colaborar para a aceleração da produção jurídica. E, de encontro ao anseio por conhecimento, vemos que a doutrina tem se concentrado em lições práticas para concurseiros, um novo mercado absolutamente lucrativo.
Deste modo, a necessidade de obter conhecimento rápido e esquematizado, impede a evolução do pensamento, tornando os profissionais selecionados por concursos públicos cada vez mais incapazes de refletir sobre a importância da atuação jurisdicional.

Inovação no Judiciário

Portanto, precisamos incentivar a inovação do Poder Judiciário, não só com ferramentas tecnológicas e recursos simplificados mas, acima de tudo, com a contínua qualificação de seus atores, a fim de que os jurisdicionados recebam decisões que alcancem efetividade. Com a quantidade de informações disponíveis em rede, não podemos nos acomodar com o conteúdo de fácil alcance, mas, sim, exercitar, cada vez mais, o pensamento e a perspicácia, para que o real sentido das normas prevaleçam. Só assim viveremos a justiça idealizada pela Constituição Federal e que pode ser nossa realidade!
Foto: Claire Anderson

Naiara Czarnobai
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O que a comunicação de dados entre o Whatsapp e o Facebook e a Lei de segurança cibernética na China nos alertam?

Recentemente a China criou uma lei de cibersegurança com a finalidade de evitar ameaças com a pirataria e o terrorismo, mas a medida alertou empresas internacionais e grupos de direitos humanos. Isso porque a norma, que entrará em vigor em junho de 2017, exige que os dados sejam armazenados em servidores daquele país, inclusive, dispõe de critérios duvidosos para revisões de segurança.
Trata-se de uma manobra legal que também acaba atingindo os usuários chineses que já estão sujeitos ao mais sofisticado mecanismo de censura online. A justificativa dos governantes é de que o desenvolvimento nacional do país depende do uso adequado e seguro da rede.
Com a referida lei, os operadores de infraestrutura de informações críticas deverão armazenar informações pessoais e dados de negócios importantes na China, além de fornecer um suporte técnico para agências de segurança, e serem submetidos a revisões de segurança nacionais.
As medidas que o governo alega ter intuito protetivo, podem dar brechas para que empresas que atuam na China sejam obrigadas a conceder informações sensíveis de seus produtos e serviços para poder ter acesso ao uso da internet, colocando em risco os direitos de propriedade intelectual.
Longe de ser um protecionismo comercial, a liberdade de negociação naquele território soberano pode sofrer restrições com a vigência da lei de cibersegurança, embora muitas das práticas descritas nesta norma já sejam aplicadas rotineiramente sem uma codificação específica.

Segurança Nacional

A superpotência alega que a segurança nacional está em risco com o uso ilimitado da rede, sobretudo em se considerando a espionagem e a ação criminosa no cenário econômico e inclusive com prejuízos às defesas militares. A medida é extremamente restritiva, e não há como haver interferências de outros países para tentar coibir a adoção tão rigorosa desse sistema de proteção no ciberespaço.
Em contrapartida ao excesso de preocupação da China em relação ao uso seguro da internet por seus nacionais e às interferências de outros usuários, o Brasil tem engatinhado para garantir a segurança dos internautas brasileiros.
Desde 25 de agosto último está valendo uma alteração realizada pelo Whatsapp em seus termos de uso, segundo a qual o aplicativo realiza troca de dados dos usuários com o Facebook , supostamente para garantir ofertas de publicidade e de mídia digital. Alertei sobre esta prática em recentes palestras sobre direito eletrônico, e para minha surpresa a maioria dos presentes nunca tinha realizado a leitura dos termos de consentimento de quaisquer dos aplicativos usados nos dispositivos móveis.
No momento do cadastramento na rede social de comunicação por mensagens, o interessado é questionado se concorda com todas as imposições apresentadas pelo gerenciador do aplicativo, como em conceder uma licença global para as empresas do grupo Facebook acessarem as informações para fins de acompanhamento do uso e de ofertas de publicidade. Além disso, há uma cláusula específica em que também há autorização para que esses mesmos dados sejam transferidos a terceiras empresas sem qualquer ressalva. Se não concordar, não há outra alternativa ao usuário senão ficar fora da rede.
Outro ponto bem relevante é que, ao aceitar os termos de uso e consentimento, o interessado afirma ter ciência de que falhas se segurança podem ocorrer, e o acesso à rede social isenta qualquer funcionário do Facebook ou do Whatsapp , inclusive membros da direção e acionistas, de qualquer responsabilidade por danos ou prejuízos causados a partir desses incidentes.
Em razão de toda a fragilidade dos termos impostos aos usuários e da coleta irrestrita de informações, a Alemanha já havia conseguido impedir essa comunicação entre os aplicativos desde 27 de setembro, e, nesta semana, o órgão regulador do Reino Unido (Information Commissioner’s Office) fez um acordo com o Facebook a fim de suspender o processamento desses dados.

A segurança cibernética no Brasil

No Brasil, passados mais de dois meses da modificação dos termos de uso do Whatsapp , medida semelhante está sendo intentada pelo Instituto de Defesa do Consumidor por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), e ainda não temos resultados positivos, mas espera-se que a postura seja revista no país também.
Enquanto a China exerce um controle absoluto sobre o uso da internet em seu território, o Brasil ainda não tomou consciência da importância da adoção de medidas preventivas para impedir falhas de segurança na utilização da rede mundial de computadores.

Marco Civil da Internet

O Marco Civil da Internet, publicado décadas após o serviço ter sido disponibilizado em terras tupiniquins, ainda é um frágil instrumento legal para coibir condutas prejudiciais aos usuários brasileiros, sobretudo porque não concede aos magistrados e aos órgãos de fiscalização ferramentas adequadas para evitar que a segurança seja comprometida.
Além da falta de conscientização e de educação das pessoas sobre o uso seguro da internet, percebe-se que a ausência de dispositivos legais favorece ações criminosas no ciberespaço, além de posturas contrárias aos direitos dos consumidores por parte de organizações e empresas internacionais.
A inexistência de barreiras territoriais para utilização da internet não pode servir de alavanca propulsora para posturas coniventes por parte do poder público. O interesse dos chineses na regulamentação de diversas condutas por pessoas físicas e jurídicas na internet serve-nos de exemplo para que dediquemos esforços no sentido de criar uma legislação realmente protetiva e que englobe o máximo de ações potenciais, até mesmo para colaborar na atuação dos órgãos de repressão.

Conclusão

É de se concluir que não precisamos ser tão radicais quanto os orientais no disciplinamento das hipóteses de permissão, mas já passamos do estado de alerta para a criação de comissões e grupos de trabalhos a serem constituídos com a finalidade de realizar a reestruturação do sistema protetivo legal também da internet no Brasil, especialmente porque não existe um Edward Snowden em cada esquina para relatar detalhadamente ações invasivas e violadoras das normas protetivas da intimidade e da segurança nacional.
Publicado originalmente em Emporio do Direito.
Foto: Riku Lu.